O PRIMEIRO JARDIM ZOOLÓGICO DO RIO DE JANEIRO FICAVA NA MINHA RUA!
Gravura: Jardim
Zoológico do Souto (1856), de Bertichen.
Quando falamos
sobre jardim zoológico, no Rio de Janeiro, logo vem à lembrança do zoo da
Quinta da Boa Vista ou do antigo “Jardim Zoológico de Vila Isabel”, fundado
pelo Barão de Drummond, em 1888, e bastante conhecido por estar vinculado as
origens do jogo do bicho no Brasil. Mas o primeiro zoológico do Rio começou a
funcionar bem antes, na década de 1850, no Engenho Velho, numa chácara que
confinava com a Quinta Imperial e ficava na atual Rua Ibituruna com fundos para
a Rua Senador Furtado.
Era na chácara do
Visconde de Souto (António José Alves Souto), o primeiro banqueiro privado do
país, que tinha a sua casa bancária na Rua Direita n º 59 (atual Rua Primeiro
de Março). Esse português do Porto, nascido em 1813, chegou ao Brasil com
apenas 16 anos, em 27 de janeiro de 1830. Logo arranjou ocupação como caixeiro
da casa Ferreira & Cohn, até instalar-se como corretor de fundos e
mercadorias.
Casou-se quatro
anos após chegar ao Brasil e na década seguinte já se estabelecia como banqueiro
privado abrindo a sua casa bancária: A. J. A. Souto & Cia.
O que levou esse
capitalista a montar um zoológico na sua chácara?
DE ONDE VEM A IDÉIA DE JARDIM
ZOOLÓGICO?
O conceito de jardim
zoológico era: um local específico de se manter
animais, selvagens ou domesticados, que podem ser exibidos ao público. Hoje
essa percepção está mudando. Este espaço também tem a presença de profissionais
especializados, que cuidam da alimentação, das jaulas ou ambientes, da saúde
mental e física dos animais, além de ser um local de
pesquisa, preservação e a educação ambiental.
A história da origem do Zoo
está ligada a criação do "Jardim real das plantas medicinais", na
França, criado por Luís XIII, em 1635, dirigido e administrado pelos médicos da
realeza. Foi transformado, em 1718, num
jardim voltado para a história natural, tendo o rei Luís XV, abolindo sua
função médica. O jardim passou a ser conhecido por “Jardim do Rei”.
Posteriormente, no período
de 1739 a 1788, o Jardim ficou sobre a direção do conde de Buffon, grande
naturalista e iluminista. A Revolução francesa ocorreu uma ano após a morte de
Buffon, o jardim foi renomeado como “Jardim das Plantas de Paris” e o gabinete
do rei (gabinete de curiosidades[2] que dependia do jardim) foi transformado em Museu Nacional de
História Natural. O texto de fundação do Museu foi redigido pelos próprios
cientistas e promulgado pela Assembleia Constituinte de 1789, assumindo como
primeiro diretor do Museu Louis Jean-Marie Daubenton, em 1793. Ele foi aberto
em 1794, para a visitação pública.
O zoológico do “Jardin de Plantes” foi também resultado direto da Revolução Francesa,
de 1789, e do iluminismo: a derrubada da Monarquia instalou o caos no Palácio
de Versailles, onde viviam os monarcas, e levou a morte inúmeros animais da
"ménagerie"[3] real. Os quatro animais sobreviventes do viveiro de
Versailles foram transferidos para o Jardim Botânico (Jardin de Plantes) onde foi criado, entre 1794/95, o Zoo, por
iniciativa de Bernardin de Saint-Pierre, que era intendente do jardim, desde
1791.
Para a implantação desse
zoológico vieram também animais das menageries
particulares, provavelmente de nobres que caíram em desgraça na Revolução. O
espaço do zoológico, de 5,5 hectares de extensão, era anteriormente ocupado por
serrarias de madeira. Inicialmente o zoo criado era sumário, formados por
cercas, fossos, jaulas e gaiolas rústicas. Nos séculos seguintes muitas
construções foram edificadas para expor os animais de maneira adequada, algumas
até sofisticadas demais para a época.
Desde sua criação, existia uma
casa de macacos e de pássaros, covas para ursos, rotunda para elefantes e girafas, uma construção para
animais ferozes, etc. Havia bastante espaço e a arrumação era cuidadosa.
Criaram-se desníveis,
plantaram-se árvores, bosques, construíram bacias, casinhas de madeira.
Instalou-se um sistema de ruas entre os jardins para harmonizar: um verdadeiro
jardim à Inglesa.
A princípio,
entrava-se nestes jardins exclusivamente com a autorização de um cientista. Um
ano mais tarde, devido ao aumento da demanda, abrandaram-se as restrições:
quatro dias da semana ficam reservados aos estudantes do museu e aos artistas e
os três outros dias são abertos ao público, entusiasmado.
Este modelo foi adotado em
toda a Europa no século XIX: em Madri e Postdam, em 1822, e no Regent's Park de
Londres, em 1828.
O termo
zoológico deriva do grego “Ζωο”
(animal), e “λογος” (estudo). O termo
Jardim Zoológico foi usado primeiramente, em 1828, para os jardins da Sociedade
Zoológica de Londres. A Sociedade Zoológica de Londres funda o Zoo com o
propósito expresso de estudar animais vivos para melhor entender a história
natural dos animais. Por isso, o Zoológico de Londres é considerado o primeiro
zoológico científico do mundo. No caso
londrino o
acesso era limitado aos membros da Zoological
Society, durante os 20 primeiros anos. Somente alguns estrangeiros eram
admitidos durante a semana, mediante a apresentação de um bilhete de
recomendação assinado por um sócio e 1 xelim. Depois, pouco a pouco, perceberam que era preciso rentabilizar os
lucros e o jardim foi então aberto a todos. Os que não o fizeram, não demoraram
a falir.
O sucesso
do jardim zoológico londrino ajudou a criar uma série de estabelecimentos similares
em todo o mundo. Isso também aumentou o interesse de se ter um no Brasil, pois
os jornais da corte, da década de 40, do século XIX, traziam notícias sobre
zoos de outras partes do mundo.
O Jornal
Despertador (RJ), de 29 de maio de 1841, anunciava que estava finalizada a
montagem de um Gabinete Zoológico, no antigo Campo da Aclamação e hoje Campo de
Santana, de 70 palmos de largura, contendo inúmeros objetos dos reinos da
natureza e também animais vivos como o urso da Rússia, a onça e outros quadrúpedes
em gaiolas. O público poderia ter acesso ao local comprando bilhetes de preços
variados. O Gabinete do empresário Corelly fora permitido pela Câmara dos
Vereadores, para ser uma das atrações da coroação de Dom Pedro II. Na entrada
do empreendimento, com face voltada para o atual Palácio Duque de Caxias[4], ficavam pinturas feitas exclusivamente para ornar
a entrada do local só ficariam ali durante os festejos da Aclamação. Esse
efêmero Zoológico durou três meses, mas deixou a população mais curiosa e com
vontade de ter um local desse permanente para visitar.
O JARDIM ZOOLÓGICO DO SOUTO
O
Visconde do Souto morava na Travessa Campo Alegre nº 22 (hoje Rua Ibituruna, na
Tijuca), numa grande chácara que ficava do lado da Quinta Imperial, e ao longo
do tempo foi adquirindo outras propriedades próximas, aumentando a área da sua
chácara. Ele frequentava a corte e era o banqueiro particular de D.Pedro II.
Essa sua proximidade pode ter sido o motivo pelo qual resolveu fazer um jardim
zoológico em sua propriedade, o que deve ter agradado em muito ao monarca, que
era um naturalista amador, pois o zoo ficava do lado da residência imperial.
O jardim zoológico
já existia em 1855, ano em que foi doado um grou-coroado, falecido ali, para o
Museu Nacional, onde foi empalhado. Dois anos depois o Correio da Tarde, de
07.12.1857, anunciava a compra por 600 libras esterlinas, de dois elefantes e
um urso, para aumentar o Zoo, que ele mantinha em sua chácara, franqueado nos
domingos e dias santos para os visitantes.
A entrada
era feita pela Rua do Souto (atual Senador Furtado - rua doada pelo banqueiro,
em 1854, para a Municipalidade) e por onde se tinha acesso aos fundos da
chácara do Souto, onde ele mantinha pomar, horta, jardins com rosas, plantas decorativas
e palmeiras além do seu jardim zoológico.
Por ser
um dos locais preferidos dos cariocas para visitação na década de 1860, nos
domingos e feriados, haviam linhas de “onnibus” para Rua do Souto com ponto de
parada na chácara do Souto. O zoo foi retratado pelo gravurista holandês Pieter
Godfred Bertichen, em 1856, que o visitou e mostrou a disposição das jaulas e
alguns dos mais de 60 animais que nelas se encontravam. A rua do Souto, desde
1856, contava também com um elegante chafariz público, que facilitava também a
manutenção do acesso dos animais a água.
Francisco
P. Martinez y Sáez, um dos membros da Comissão Científica do Pacífico (1862-1866),
organizada pelo governo espanhol, esteve no zoo da Rua do Souto e descreveu os
animais existentes no local: “colocados em jaulas quase sempre, observei vivos alguns
leões, hienas, íbis, jaguar, urubu-rei, jacu, socós, avestruz, faisões,
jiboias, tartaruga, anta, cutia, paca, leopardo, grou coroado, garças, corvos,
gansos, gazelas, e também um elefante que não pude ver e uma cavalariça. Todos
estão colocados num depósito, assim é que, segundo me disseram, estão
desaparecendo muitos dos animais desta coleção(...), eram nela notáveis os
macacos, dos quais só vi uma espécie que estava preso, na entrada a um banco”[5].
O animal mais popular e que fazia grande
sucesso entre o público visitante era o leão africano, que faleceu em 1860,
sendo doado seu corpo para embalsamento pelos técnicos do Museu Nacional. Neste ano também aconteceu o falecimento de
uma arara de macau, dois avestruzes e um tamanduá bandeira, que também foram
encaminhados para o mesmo local, que funcionava naquela época no centro da
cidade, no atual Campo de Santana[6].
Como se vê o zoo era composto de animais tanto da fauna nacional como
estrangeira.
Para os elefantes o Comendador Souto
construiu no lado da chácara que era voltada para rua Dona Joana[7]
nº 9 uma casa de madeira, calçada com paralelepípedo, onde os animais viviam
perto de tanques com água e dos Rios Joana e Maracanã.
A Comissão Científica de Exploração, a
primeira expedição científica composta e organizada por brasileiros, financiada
pelo Império para explorar regiões do país, voltou de sua excursão científica
pelas províncias do Nordeste e do Norte do Brasil, no ano de 1861. Manuel
Ferreira Lagos, zoólogo da expedição, trouxe mais de uma centena de animais
vivos, que o Museu Nacional não tinha condições de abrigar, por não ter
acomodações para esse fim e então o diretor daquela instituição entregou aos
cuidados do Sr. Comendador António José Alves Souto, dezenas de animais que
foram incorporados ao seu zoológico, principalmente espécies do sertão do
Cariri (CE), aumentando a presença da fauna brasileira na composição do plantel
de animais do estabelecimento.
Com a crise da casa bancária do
Souto, que levou a primeira grande quebra financeira do Brasil, em 1864, ele
acabou vendendo os animais e fechando o zoo da Rua do Souto. Os animais foram
vendidos para James P. Adans, que em dezembro de 1864, os exibiu na Rua dos
Inválidos, n.74 e depois seguiu em itinerância com eles pelas províncias do Rio
de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Assim terminava o primeiro jardim zoológico
do Rio de Janeiro e do Brasil.
A população do Rio de Janeiro esperou então
mais 24 anos para assistir à inauguração do seu segundo jardim zoológico, agora
em Vila Isabel, por iniciativa do Barão de Drummond, que certamente conheceu o
empreendimento do Souto.
Foto: Foto: Francisco Souto Neto[8]
Urso do jardim zoológico
do Souto, empalhado no Museu Nacional, destruído no lamentável incêndio de 2018.
Foto: Franscisco Souto Neto
Orangotango do jardim zoológico do Souto, empalhado no
Museu Nacional, destruído no lamentável incêndio de 2018.
Bibliografia:
Hemeroteca da Biblioteca Nacional –
Dezenas exemplares de jornais entre os anos de 1840-1890
Losada, Janaína Zito. Um albúm para o Imperador: a Comissão
Científica do Pacífico e o Brasil.Rio de Janeiro: Mast; Uberlândia:
EDUFU,2013.
Souto Neto, Francisco; Martini, Lúcia
Helena Souto. A chácara do Souto e seu Jardim Zoológico. RIHGRJ, v.1, n.1. Rio
de Janeiro: 1987.
Souto Neto, Francisco; Martini, Lúcia
Helena Souto. Visconde de Souto: ascensão
e “quebra” no Rio de Janeiro imperial.Curitiba: Editora Prismas, 2017
Sites:
http://www.girafamania.com.br/introducao/zoos_europaris.html
[2]
Os
Gabinetes de Curiosidades ou os quartos das Maravilhas, dos séculos XVI e XVII,
eram locais onde os reis e a nobreza guardavam e colecionavam uma infinidade de
objetos raros ou estranhos.
[3]
Sobre a palavra francesa "menagerie" existem duas
referências, uma data de 1530, significando o lugar onde se reunia (no sentido
de guardar) animais de uma fazenda no século XVI; a outra data de 1664,
significando administração de uma fazenda, pois “menagerie” foi um lugar onde se mantinha os animais
fechados com o propósito de ostentação e depois de estudo (já no século XVIII).
[4]
Onde fica hoje o Quartel General do Comando Militar do Leste (CML) do Exército
Brasileiro, no centro do Rio de Janeiro.
[5]
Losada, Janaína Zito. Um albúm para o Imperador: a Comissão
Científica do Pacífico e o Brasil.Rio de Janeiro: Mast; Uberlândia:
EDUFU,2013.
[6]
O Museu Nacional foi transferido
[7]
Ela recebeu depois o nome de Rua Donna Januária, sendo que em 1865, a Câmara de
Vereadores alterou o nome para Duque de Saxe. Hoje ela está dividida em dois
logradouros, separados pela linha do trem e pela Av. Radial Oeste: Rua General
Canabarro e sua continuação tem o nome de Rua Almirante Baltazar, em São
Cristóvão.
[8]
Trineto do Visconde de Souto, que gentilmente cedeu estas fotos.
[1] Trineto do Visconde de Souto, que gentilmente cedeu estas fotos.
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